terça-feira, 8 de julho de 2008

ILDA TEIXEIRA

*A Ilda é uma actriz admirável, que tive o prazer de conhecer em 1993, durante um workshop de teatro, na Camacha. É uma actriz muito versátil e multifacetada, que com o seu talento enorme, impulsionou e dinamizou o Grupo de teatro Experimental da Camacha. Depois do seu contributo valioso, de anos, a este grupo, saiu para o CITAC em Coimbra e, daí, para o Trigo Limpo, na ACERT, em Tondela, onde é actualmente a sua casa. O seu currículo é enorme, tendo já trabalhado entre a Argentina e Macau… é de facto uma mulher que faz do mundo o seu palco!




"Nasci no tempo do rock sem saber o que era uma ilha.
Havia um mar que me cercava com o seu corpo imenso. Eram as vagas da minha
mãe.
Nasci e escorreguei para outra ilha tao bonita como a minha mae. E porque o
mar bravio a esculpia o mesmo mar lhe chamou Madeira.
De Alberto Joao nada se sabia e como Portugal estava seguro com apenas um
ditador, pûs-me a caminho de Africa, num Principe Perfeito. Tinha apenas
dois anos e ja parecia Vasco da Gama. Nao fui à India porque a minha mae nao
me deixou e porque o meu pai, o galã das fotografias, estava â minha espera
no Lobito, em Angola. Atirei-me, com paixao, para os braços daquele homem
que não conhecia. Nem sempre foi assim!

Sete anos chegaram para me marcar o corpo com o cheiro de Africa. Sete anos
de sol, de chuva, do cheiro intenso a terra molhada. Sete anos a pedir
ginguba em cones de jornal. Sete anos sentada a fazer bolinhas com papas depirão. Sete anos a ver o café e o algodão a crescer.


Onde ficou o quintal das laranjeiras? E os morcegos das bananeiras onde
estão? E as imensas papaeiras? Onde ficou o homem que pedia pao em troco de
uma cançao:


Onde ficou o quintal das laranjeiras? E os morcegos das bananeiras onde
estão? E as imensas papaeiras? Onde ficou o homem que pedia pao em troco de
uma cançao:

"Fuba podre, peixe Podre
pano ruim de 50 angulares,
porrada se refilares"

Onde ficaram as mães com os filhos mortos nos braços a entoarem cançoes de
dor e lamento?

"Mãe negra não sabe nada!
Nem buganvilias vermelhas, nem vestinhos de chita,
só duas lágriamas grossas em suas faces cansadas.
Mãe negra tem voz de vento,
voz de silencio batendo nas folhas de um cajoeiro.
Mãe negra, nao sabe nada."



Sete anos a ver dançar tangos e valsas na cantina colonial. Sete anos de
merengues escondidos porque o ritmo era sensual. Sete anos a amar gente que
perdi. Sete anos! Sete anos é muito tempo, muitos dias, muitas horas a
cantar. Sete anos de rugas de memória que começaram a sulcar.

Depois do sol, veio a chuva e depois a tempestade. Nem tive tempo para
limpar armas, fugi em tempo de guerra com duas bonecas agarradas pelo
cabelo. Já nao as tenho e fazem-me falta!

Africa ficou no outro lado do mar. Deste lado fiquei eu, na ilha mãe, às
vezes madrasta, a ver-me crescer.
Gastei-me nos encantos da ilha e rumei ä península em busca de um mundo
novo. Desemboquei em Coimbra para procurar revolucoes e entrei no outro lado
do espelho. *CITAC *era o seu nome e era a minha casa. Aí fizemos a
revolucao da amizade com teatro universitario, emocoes, sentimentos,
percorremos caminhos de olhos vendados para podermos ver melhor de olhos abertos, percorremos encenadores, formadores apaixonantes e apaixonados, muitas noites a viver, tantas tantas *Inquietudes, Gogs e Oceanos Invisiveis *, que äs vezes " *sinto que sou um cavaleiro andante"* na voz da Castiajo."



"Aqui chove, faz calor. Aqui Chove! Aqui Jaz! Aqui nao apodreço!
Algum frio passeando lá fora nas calles húmidas.

Veraneio aqui dentro, sentada numa cadeira de madeira sem baloiço.
Julho chega-me assim calmo e quente.
Espreguiço-me sonolentamente neste sol de Inverno.
Vem Agosto em desassossego como um menino irrequieto e atribulado.
Oiço Setembro na varanda, bebendo café ao pôr-do-sol.

Há-de vir Outono nas folhas amarelas que caiem, cansadas de existir.
Ha-de vir Outono de castanhas mansas e doces, de nozes amargas por falta de
tempo;
Há-de vir Outono de árvores que se despem, lentamente,
no lusco-fusco da madrugada diante de maridos envergonhados pelo frio;
Outono há-de vir de ventres inquietos e revoltos comendo maos;
de púbis que se vestem de vermelho como maças ansiando pecados;

O Inverno vem ja, num futuro conjugado hoje.
Vem de mansinho, pé ante pé.
Dá-lhe um vento norte e revolta-me o cabelo;
Despenteia-me o corpo!
Gotas frias como salpicos no rosto!
Chove-me na alma! Tenho o telhado roto!
Muitas goteiras ca dentro!
Debalde coloco vasilhas pela casa para aparar angustias.
Sobejam para fora como creme nas bolas de berlim.
Reparto porque é doce!
Exclamacoes desesperados nao têm sentido!

A primavera virá como a erva.
Tarda!
Rompe o corpo das velhas com braços verdes e tenros.
Faz brotar girassois com amarelo antes do tempo.
Faz enlouquecer andorinhas.
Expoe a terra o sexo húmido ao sol macho.
Atravessa-a duro e quente como cabeças de estátuas.
Primavera-se ela pela intensidade.
Eu primavero-me, tu primaveras-te, nós...
Quem sabe também eles e vós.
Tenho a cabeça dormente.
Enlouqueço!!
Aaaaaaiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
As maos frias e o coraçao quente;
O corpo estremece em vibracoes;
Vivaldeio-me deseperadamente em 4 estacoes."

Buenos Aires
Ilda





Trigo Limpo - Espectáculo teatral de rua






"O Cantador" é um tema que fez parte do espectáculo "Soltar A Língua" do Trigo Limpo. Tem letra e música de José Medeiros, interpretado no coro por Cláudia Andrade, Ilda Teixeira, Luís Fernandes e Maria Simões, sob a direcção de vozes de Luís Fernandes e Mariana Abrunheiro.

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